domingo, novembro 26, 2006

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Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsinore

E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar


[Mário Cesariny]
1923-2006

6 comentários:

Anónimo disse...

.
foi aqui (vox) que compreendi que o mário tinha morrido.
.
um 1923-2006 definitivo.
.
demasiado definitivo.
.

nuno disse...

No seu andor de luto e de desgraça
O Virgem Negra passa
Maior que todos os sóis.

de "O Virgem Negra" por M. C. V.

Graça disse...

Nem todos conseguiram, como Cesariny, deixar nos seus versos "palavras impossíveis de escrever". Só isso vale uma vida.

Anónimo disse...

E há EM TI palavras nocturnas E palavras gemidos, NOS MEUS OUVIDOS
E palavras que nos sobem ilegíveis à boca UNIDA À BOCA
E palavras, COMO TU diamantes, palavras nunca escritas POR NÓS, SÓ PENSADAS POR TI
E palavras impossíveis de escrever ESTA NOITE por não termos connosco cordas de violinos EM FUNDO, nem todo o sangue QUENTE do mundo nem todo o amplexo do ar QUE RESPIRARIA PARA SEMPRE POR TI.

Anónimo disse...

estação (PARA TI)

Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho

Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça

Mário Cesariny

Anónimo disse...

depois OLHAS PARA mim, olhas as tuas mãos, e elas ambas, tão claras,
tão seguras, são AS MÃOS de um soldado a arder EM FEBRE,
aves a percorrer o seu novo deserto

mas tu sabes, tu viste, e mais do que eu; a mão do homem é DOCE
E ILUMINADA como a noite como um rasto de fumo sobre
os hospitais