domingo, agosto 20, 2006

Uma feridinha de cacaracá

Não quero nada, deixem-me ficar assim um bocadinho que já
volto […] e num minuto ou dois levanto-me, torno a ser o que vocês conhecem e pronto, esqueçam-se, fico divertido outra vez, boa companhia, simpático mas não me peçam explicações, não perguntem o que foi, finjam que não notaram, entrou tudo nos eixos, palavra, sinto-me óptimo, como novo, capaz de cambalhotas, pinos, gracinhas, há alturas em que consigo ser divertido não é, a alma da casa, a alegria da família, a animação em pessoa mas por agora não quero nada, deixem ficar um bocadinho que já vou, não me espiem, não me observem, não se inquietem, façam de conta que não estou cá e não estou mesmo, a cabeça anda-me desconheço por onde, num lugar onde nunca fui e que parece uma praia dado que vejo andar, penedos, uns pássaros quaisquer, uma criança à beira-mar, sozinha […]

António Lobo Antunes

4 comentários:

Anónimo disse...

não preciso que voltes ao conhecido,não preciso de me lembrar, não preciso de explicações, não preciso de fingir, gosto da vida entre os eixos, com pouco ou muito exercício, não sei fazer de conta.
eu sei onde estás.
o Lobo Antunes sabe também, sobre isto e muito mais.
um beijo.

Anónimo disse...

e alguém que escreve também isto deve pois saber muito mais:

"-um dia hás-de entender

e passaram quarenta anos e não entendo nada. Graças a Deus que os gritos dos pássaros na praia me impedem de conservar com vocês."

kelly disse...

perdeu-se.
já não se explica. terão sido demasiados, os gritos dos pássaros?

nuno disse...

é uma praia de gritos e pássaros, raquel. é fácil perder-se.